Uma Análise Bibliográfica sobre o Transtorno do Espectro do Autismo
O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), assim como foi descrito na última classificação do DSM-V (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais 5ª edição), que categorizou autismo, síndrome de Asperger, transtorno desintegrativo e transtorno global do desenvolvimento em uma única categoria, é um transtorno do neurodesenvolvimento. O DSM-V descreve os critérios diagnósticos por:
- Déficits persistentes na comunicação social e na interação social em múltiplos contextos, manifestado atualmente ou por história prévia em: Déficits na reciprocidade socioemocional (abordagem social anormal e dificuldade para estabelecer uma conversa comum a compartilhamento reduzido de interesses, emoções ou afeto, a dificuldade para iniciar ou responder a interações sociais); Déficits nos comportamentos comunicativos não verbais usados para interação social (comunicação verbal e não verbal pouco integradas a anormalidade no contato visual e linguagem corporal ou déficits na compreensão e uso dos gestos e expressões faciais); Déficits para desenvolver, manter e compreender relacionamentos (dificuldade em ajustar o comportamento para se adequar a contextos sociais diversos a dificuldade em compartilhar brincadeiras imaginativas ou em fazer amigos, a ausência de interesse por pares).
- Padrões restritos de comportamento, interesses ou atividades, conforme manifestado atualmente ou por história prévia, por pelo menos dois dos seguintes exemplos: Movimentos motores, uso de objetos ou fala estereotipados ou repetitivos; Insistência nas mesmas coisas, adesão inflexível a rotinas ou padrões ritualizados de comportamento verbal ou não verbal, com rigidez e sofrimento extremo em relação a pequenas mudanças e transições; Interesses fixos e altamente restritos que são anormais em intensidade ou foco; Hiper ou hiporreatividade a estímulos sensoriais ou interesse incomum por aspectos sensoriais do ambiente, incluindo aspectos de dor, temperatura, sons, texturas, visão, aromas, toques e movimentos.
- A comunicação social deve estar abaixo do esperado para o nível geral do desenvolvimento.
- Os sintomas devem estar presentes precocemente no período do desenvolvimento, mas podem não se tornar plenamente manifestos até que as demandas sociais excedam as capacidades limitadas ou podem ser mascarados por estratégias aprendidas ao longo da rotina.
- Os sintomas causam prejuízo clinicamente significativo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo no presente.
De acordo com essa descrição, Muszkat et al (2014) caracteriza o contexto sintomático do TEA com manifestações comportamentais e qualitativas, relacionadas à dificuldade na interação social e na comunicação e em evidências de padrões de comportamentos repetitivos e estereotipados, que associa prejuízo ou inadequação social ao indivíduo diagnosticado dentro do espectro. Desse modo, Martins (2014) defende que,
(…) a etiologia dos Transtornos do Espectro do Autismo (TEA) ainda é bastante discutida, devido a sua variação e complexidade. São doenças que se manifestam nos três primeiros anos de vida, caracterizadas por alterações na comunicação, socialização, comportamento repetitivo e estereotipias, isolados ou associados a defeitos congênitos, doenças genéticas ou outras afecções. (Martins, 2014, pág. 10).
Em relação aos estudos mais recentes, de acordo com o Centro de Controle de Doenças e Prevenção de Saúde Americano (CDC – Center for Disease Control and Prevention), o transtorno afeta uma em cada 59 crianças atualmente e, partindo do pressuposto que cada indivíduo é único, as crianças com TEA podem apresentar nuances diversas dentro das características descritas no quadro e não precisam apresentar todos os sintomas. No entanto, se alguma das características ou áreas estiverem trazendo prejuízos à criança, deve-se investigar imediatamente, pois os prejuízos podem envolver déficits que farão com que a criança se exponha menos a situações com oportunidades de aprendizagem (Gaiato, 2018).
A população com TEA, tem as estruturas do ponto de vista anatômico, no geral, íntegras. Porém, falhas fundamentais no rendimento adaptativo eficiente são verificadas. Por não haver nenhum marcador biológico que assegure sua identificação, o exame clínico continua sendo utilizado para diagnosticar o TEA, a partir da observação e análise dos comportamentos da criança, da entrevista com os pais e/ou cuidadores e do exame objetivo (Assumpção Jr, Kuczynski, 2015).
Um dos critérios é que a sintomatologia do transtorno deve estar presente desde o nascimento ou começo da infância, mas pode não ser detectada antes por conta das demandas sociais mínimas na infância precoce, e do intenso apoio dos pais ou cuidadores nos primeiros anos de vida (Assumpção Jr., Kuczynski, 2015). Assim, a avaliação do diagnóstico deve ser feita com cautela e, apesar de existirem escalas de diagnóstico e rastreio, elas apenas auxiliam na detecção dos sintomas expressos pelos comportamentos. Desse modo, o diagnóstico deve ser interdisciplinar, realizado por médico especialista, neurologista e/ou psiquiatra, juntamente com o olhar integrado e clínico de outros profissionais, como: psicólogo clínico, neuropsicólogo, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, entre outros, juntamente com informações concedidas pelos profissionais da escola.
Quando as crianças apresentam os sintomas em níveis mais graves eles são fáceis de serem detectados e logo são diagnosticados. Porém, nem sempre é assim. Muitas vezes as crianças apresentam apenas traços característicos, sintomas de grau mais leve, e a avaliação é mais complexa de ser realizada. Um importante fato é que as crianças que apresentam sintomas característicos do quadro de autismo apenas se comportam de maneira diferente, apresentam as características de interação e flexibilidade mental esperadas em quantidade menor de frequência e em qualidade, em relação a crianças na mesma idade (Gaiato, 2018).
Rogers et al (2014, apud Rotta et al, 2018) afirmam que “se conheceu uma criança com autismo, conheceu uma criança com autismo”, pois cada indivíduo tem suas particularidades, sejam elas genéticas, culturais ou da história familiar. Essas características estão presentes desde o nascimento e prosseguem ao longo da vida. Com isso, as estratégias de intervenção clínica devem ser adequadas à singularidade e demanda das crianças em questão, levando em conta que há uma gama ampla na variedade dos padrões de comportamento nos casos de autismo. Por isso a denominação de um espectro para denominar o quadro.
Por volta dos primeiros anos de vida começam a ser observadas as alterações, principalmente atraso na linguagem e inadequação comportamental, e é essencial que as crianças com hipótese de autismo realizem a intervenção precoce, antes mesmo de um diagnóstico fechado, pois os comportamentos sociais, motores, de comunicação e de raciocínio são possíveis de serem estimulados e modelados, principalmente nessa idade. Isso porque a primeira infância é um período de grande plasticidade cerebral, o que sugere um potencial de mudança no desenvolvimento, comportamento e capacidade de se adaptar das crianças que tiverem essa intervenção, minimizando as consequências que muitas vezes caracterizam o TEA. Assim, de acordo com Gaiato (2018),
A comunidade médica reconhece que o tratamento do autismo deve ser feito de forma sistemática logo nos primeiros anos de vida devido à capacidade do cérebro de receber novas informações com maior facilidade nessa fase da vida. O tratamento correto e constante é imprescindível para o bom prognóstico e para minimizar as consequências dessa patologia na vida do indivíduo portador (Gaiato, 2018, pág. 20).
Contudo, independente de diagnósticos e levando em conta a neuroplasticidade, se a criança apresenta características de desenvolvimento atípico, elas precisam ser trabalhadas o quanto antes através de muitas horas de estimulação comportamental e orientação parental para um melhor desenvolvimento integral.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
American Psychiatric Association. DSM-V. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. 5ª Ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
Assumpção FB Jr, Kuczynski E. Autismo infantil: novas tendências e perspectivas (Série de psiquiatria: da infância à adolescência). 2ª Ed. São Paulo: Editora Atheneu, 2015.
Gaiato M. S.O.S. Autismo: guia completo para entender o Transtorno do Espectro Autista. São Paulo: nVersos, 2018.
Martins ALB. Análise de genes envolvidos na neurotransmissão, formação e manutenção sináptica em indivíduos com transtornos do espectro do Autismo. 135 f. [Tese de doutorado online] – Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho, Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, 2014. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/122182>. (jun. 2019).
Muszkat M. Neuropsicologia no autismo. In: Fuentes D, … et al. Neuropsicologia: teoria e prática. 2ª Ed. – Porto Alegre: Artmed, 2014.
Rogers SJ, Dawson G. Intervenção Precoce em Crianças com Autismo: Modelo Denver para a promoção da linguagem, da aprendizagem e da socialização. Lisboa: Lidel, 2014.
Rotta NT, Filho CAB, Souza FR. Plasticidade cerebral e aprendizagem: abordagem multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed, 2018.
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